#30 As várias formas de dizer "eu te amo"
Eu tinha 17 anos quando comecei a namorar. Na época, tinha a impressão de que a minha sogra não gostava de mim. Além de todo o estigma que diz que a relação nora-sogra é sempre conflituosa, a família do meu namorado é de descendência japonesa, cultura também conhecida por ter fama de ser mais “fria”.
Sempre fui adepta das palavras, e costumava escrever bilhetes carinhosos, cartinhas em datas especiais, depoimentos no Facebook no dia do aniversário - sem ter muito em troca, além de um simples e frustrante “muito obrigada”.
Até que um dia fui surpreendida ao chegar na casa dela e ter uma torta sem azeitona (que detesto!) feita "especialmente" pra mim! Foi aí que entendi que essa era a forma como ela demonstrava carinho. Lembro de me sentir especial: foi a primeira vez que me senti querida por ela. Esse gesto mudou a chave pra mim.
Em quase 15 anos de relacionamento, só ouvi (na verdade, li!) um “eu te amo” duas ou três vezes, mas me senti amada em diversos outros momentos - quando ela me dava carona para não chegar atrasada; fazia a marmita para eu levar para o trabalho; preparava uma comida que eu estava com vontade...
O que o outro faz que te faz sentir amado? E como você expressa o seu amor? Já parou para pensar nisso?
É sobre essas formas de amar que trata o livro "As 5 linguagens do amor". De acordo com o autor Gary Chapman, são cinco linguagens básicas pelas quais o amor é expressado e compreendido:
Palavras de afirmação: demonstrar o amor em forma de palavras, através de elogios, incentivos, agradecimentos, declarações.
Tempo de qualidade: estar presente, dedicando tempo e atenção completa à pessoa. E estar presente inclui não ficar mexendo no celular, olhando para TV e fazendo outras coisas, por exemplo.
Presentes: presentear o outro, mostrando que lembrou dele. Uma flor, um chocolate, algo feito por você mesmo. O que vale é a lembrança, e não o valor.
Atos de serviço: realizar tarefas juntos e ajudar um ao outro em coisas mais práticas, como arrumar a casa, lavar a louça, consertar o carro...
Toque físico: demonstração de amor através do contato físico, como andar de mãos dadas, fazer cafuné, abraçar e beijar.
Vale ressaltar também que não possuímos somente uma, mas ao menos duas linguagens do amor nas nossas expressões de afeto, sendo a primária e a secundária.
Uma vez que ganhei consciência sobre essas diversas linguagens, me senti apta para usá-las em prol da construção da relação - tanto no relacionamento com a minha sogra quanto com meu namorado, amigos e outros familiares.
Onde tudo começa
“A suprema felicidade na vida está na convicção de que somos amados”, dizia o poeta francês Victor Hugo. Sentir-se amado é uma necessidade emocional primária no ser humano. O psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), cita um estudo realizado com bebês que conviviam com a ausência dos pais e de afeto e que mostra como essa falta influenciava o seu desenvolvimento.
Nele, observou-se que os bebês que eram alimentados e vestidos, mas que não recebiam carinho, nem eram embalados no colo, sofriam de insônia e falta de apetite, não ganhavam peso, não demonstravam nenhum tipo de expressão em seus rostos. Aos poucos, eles perdiam interesse de relacionar-se e a maioria morria antes de completar 1 ano. “A falta de amor mata mesmo! É literal, não apenas uma metáfora”, enfatiza Dunker.
Além disso, outras pesquisas revelam que nosso cérebro processa a dor de uma rejeição/decepção/exclusão na mesma área em que processa uma dor física. Isso também ajuda a explicar o motivo de querermos ser queridos, aceitos. O contrário disso realmente dói em nós.
Saulo Velasco, psicólogo e professor da The School of Life, explica que a maneira como os cuidadores de cada pessoa demonstraram afeto na infância terá grande impacto nas relações futuras. “Temos modelos parentais e tendemos a reproduzir esses modelos ao longo da nossa história. Se eu cresci em uma família onde as pessoas davam e recebiam muitos presentes, é provável que eu entenda que o amor/afeto é demonstrado dessa maneira. Se eu tenho uma família mais carinhosa, que pega no colo, abraça muito, beija, tenho uma tendência a acreditar que amor se demonstra assim”, afirma.
Ele ressalta que podemos ir mudando ao longo da vida, por meio de novas experiências, mas aquilo que a gente aprende - especialmente na primeira infância - tende a nos marcar em relação ao modo como o afeto é demonstrado.
Se relacionar bem exige entendimento
E como fazer dar certo uma relação entre pessoas que muitas vezes têm histórias e vivências tão distintas? Compreender as diferenças na maneira que cada um demonstra afeto pode ser parte da solução.
“Quando um não entende a linguagem predominante do outro, uma das consequências desse desalinhamento é o conflito, a insatisfação”, diz o professor da The School of Life. Segundo o especialista, ter consciência de que as pessoas possuem maneiras diferentes de demonstrar afeto é fundamental para que a gente possa saber que um gesto do outro - que para mim não significa amor, pode ser sim uma demonstração bem-intencionada, e que a pessoa está fazendo da melhor forma que pode.
Já quando conhecemos mutuamente as linguagens podemos demonstrar o amor de forma que ambos se sintam amados e compreendidos, respeitando o jeito de ser de cada um.
Para Marina Vasconcellos, terapeuta familiar e de casal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tanto para saber a melhor forma de dar (aquilo que o outro precisa, não o que você “acha” que ele precisa) quanto para saber receber e entender a verdadeira intenção de cada ato, é preciso comunicar um ao outro sua necessidade.
Ela também sugere que devemos estar abertos para para satisfazer as necessidades do outro, mesmo que isso não seja tão importante para nós. “Faz parte da relação fazer pelo outro em alguns momentos apenas para deixá-lo feliz”, diz. Afinal, quando uma ação não é natural, ela se torna uma expressão de amor ainda maior.
Enfim, o fato é que cada um é único e tem seu jeito de amar e demonstrar amor. E o que eu aprendi é que existem muitas formas de dizer “eu te amo”: "te trouxe um café" “deixa que eu te ajudo com essa tarefa”, "você fica muito bem com esse vestido", "eu te busco no aeroporto", "leva um casaco que tá frio lá fora", “ouvi essa música e lembrei de você”... A gente só precisar parar para prestar atenção!